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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Revista íntima e a banalização do mal

Amigos, acho importante o debate envolvendo o recente julgado abaixo, sobre revista íntima.
Trabalhei esta ementa com os alunos da pós-graduação na semana passada.
É impressionante que, quando a gente acha que está pacificado um tema, a evitar grave violação da dignidade do trabalhador, eis que surge novidade.
Sobre o tema tratado, eu prefiro um preso fumando crack ou maconha por falha na vigilância do presídio do que validarmos a conduta patronal que bota o empregado peladão e ainda o faz agachar três vezes e botar a língua para fora.

Ressalto tratar-se de decisão de turma do TST, de modo que, em tese, seria possível a interposição de embargos para a SDI, calcada em divergência jurisprudencial interna do TST.
Fabiano Coelho

Ementa: RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. AGENTE DE DISCIPLINA DE PRESÍDIO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RELAÇÕES ESPECIAIS DE SUJEIÇÃO. PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO. DANOS MORAIS INEXISTENTES. I. As premissas fáticas consignadas pelo Regional e, portanto, imutáveis nesta esfera (Súmula 126) foram: a) o Autor, como agente de disciplina trabalhando em presídio, era submetido a revista íntima onde tinha de se desnudar, agachar três vezes e abrir a boca botando a língua para fora; b) essa revista era feita em uma sala fechada, perante dois colegas que deixavam o turno e era de pleno conhecimento do Autor desde o curso preparatório para o ingresso na função; c) o próprio Autor ao deixar o turno também vistoriava os que entravam para lhe render; d) o detector de metais e aparelho raio-x que havia no presídio não se prestavam a detectar a entrada de droga. II. Nesse panorama, a questão que se coloca é se a pretexto da defesa da segurança ou de um interesse coletivo, a intimidade de um indivíduo, direito fundamental, pode ser afrontada na forma como acima foi exposta. Os direitos fundamentais, que se assentam na própria Constituição da República, podem sofrer limitação quando estiver em jogo a necessidade de se viabilizar o funcionamento adequado de certas instituições - são as situações chamadas de relações especiais de sujeição. É o princípio da proporcionalidade que vai traçar a legalidade ou não de determinada conduta quando estiver na balança esta mesma conduta em oposição a um direito fundamental individual. E as dimensões do princípio da proporcionalidade têm sido pontuadas pela doutrina (a partir de decisões da Corte Constitucional alemã) em três critérios: a adequação, a necessidade ou vedação de excesso e de insuficiência e a proporcionalidade em sentido estrito. Estando presentes estes três critérios, há possibilidade de se limitar um direito fundamental. III. Do que fi cou assentado, a revista era necessária porque o raio-x não detectava a entrada de drogas no presídio. Portanto, nem o detector de metais nem o aparelho de raio-x poderiam substituir a revista que era procedida. Ademais, extrai-se, com facilidade, do acórdão regional, que o motivo que ensejou a adoção do procedimento ora questionado foi exatamente a inadequação da aparelhagem para coibir a entrada de drogas no presídio. A revista íntima procedida foi adequada e a possível para atingir o resultado que se pretendia, isto é, não permitir a entrada de drogas no presídio. IV. Não há de se questionar que a revista a que eram submetidos os empregados da Reclamada enquanto agentes de disciplina era no mínimo constrangedora. O que se deve perquirir é se havia maneira menos onerosa moralmente para se evitar que a fiscalização para coibir a entrada de drogas fosse realizada dessa forma. E, aqui, há de se considerar que a Reclamada prestava serviço a uma penitenci ária do estado que, portanto, era quem disponibilizava os meios de fiscalização. E esses meios, detector de metais e aparelho de raio-x, não permitiam que se averiguasse a entrada de drogas, porque eram ineficazes. Ademais, à época, não havia mesmo outro meio mais suave ou menos constrangedor para se atingir o fim pretendido. V. Por fim, ainda resta analisar o último viés do princípio da proporcionalidade: o benefício alcançado pela revista íntima buscou preservar valores mais importantes do que os protegidos pelo direito que tal medida limitou? E a resposta a esta última indagação exsurge cristalina no sentido afirmativo, porque o objetivo da revista era nada menos do que garantir a segurança dos presídios, em benefício de toda a população, inclusive dos que ali trabalham. A razão pública aqui suplanta a limitação da intimidade do Autor. Violações não configuradas. Recurso de Revista não conhecido. Processo: RR - 28000-10.2009.5.11.0019 Data de Julgamento: 03/08/2011, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/08/2011.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

PALESTRA IGT IMUNIDADE PROCESSUAL E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PARTE FINAL

Estabelecidas as premissas utilizadas no momento pela jurisprudência, passamos a sugerir argumentos que favorecem o deferimento de honorários advocatícios no processo do trabalho.

A primeira questão é de índole constitucional. O advogado é indispensável à administração da justiça, conforme expressa o artigo 133 da Constituição Federal. Deste modo, o artigo 791 da CLT, a permitir a demanda sem advogado, deve ser interpretado restritivamente, como hipótese excepcionalíssima, e não como regra. É que de nada adianta facilitar o ajuizamento da demanda, pela via da reclamação pessoal, e prejudicar a própria defesa do direito em si, em razão da falta de condições técnicas do trabalhador para deduzir suas pretensões em juízo. Dou voz, neste ponto, para Jorge Luís Souto Maior (Direito Processual do Trabalho: Efetividade. Acesso à Justiça. Procedimento oral. Editora LTr. São Paulo, 1998, p. 130/131), para quem:
“O afastamento do advogado implica relegar a causa trabalhista a um segundo plano de importância, agravado pelo fato de que as controvérsias trabalhistas já não são tão simples assim. Além disso, o serviço prestado por um servidor da Justiça não seria apto a substituir o profissional habilitado para tanto, o advogado. Nestes termos, a não exigência de advogado, embora pareça facilitar o acesso à Justiça, na verdade inibe-o, impedindo que se atinja a ordem jurídica justa. O acesso à justiça, cabe dizer, caracteriza-se pela efetiva defesa dos interesses jurídicos e não pela mera facilitação do ingresso em juízo”.

Realmente.

Pensar um processo no qual o trabalhador vai sem advogado pedir a baixa de um contrato em sua carteira de trabalho, referente a uma empresa que fechou as portas há alguns anos atrás não faz mal algum. No entanto, não se pode desprezar que as relações jurídicas trabalhistas alcançaram complexidade que dificulta até mesmo a atuação de advogados com pouca experiência na área, o que dirá dos trabalhadores, leigos e com pouca instrução. Será que é fazer justiça dizer que o trabalhador pode se virar em juízo, avaliando a distribuição do ônus da prova, impugnando preliminares processuais as mais variadas, interrogando o preposto e testemunhas, acompanhando laudo pericial após formulação de quesitos, apresentando embargos de declaração e demais recursos? O trabalhador vai discutir premissas de responsabilidade dos réus, formação de litisconsórcio, subordinação estrutural, requisitos para a equiparação salarial e tantas esquisitices criadas no juridiquês? E ainda vamos continuar negando os honorários porque contratar advogado é um capricho desnecessário. Por quê o trabalhador não optou por exercer o jus postulandi? Por quê não se socorreu da assistência sindical?

Diante do artigo 133 da Constituição Federal, o TST editou a súmula 329, no ano de 2003, com o seguinte teor:
SUM-329 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA CF/1988 (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece válido o entendimento consubstanciado na Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

Em que pese parecer consolidada a matéria, apostamos num processo de mutação constitucional, pelo qual, sem qualquer mudança da Constituição, passemos a entender pela imprescindibilidade do advogado nos feitos trabalhistas, como regra. Digo isso também por considerar que a matéria está fora de foco, ao ser questionado o artigo 791 da CLT apenas em face do artigo 133 da Constituição Federal. Na realidade, o descompasso maior da regra celetista revela-se em relação ao princípio da assistência jurídica integral, a ser prestada pelo Estado àqueles que comprovarem insuficiência de recursos, na forma do inciso LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal. Não bastasse, viabilizar o trabalho do advogado no processo trabalhista é fazer cumprir o mandamento constitucional que assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (inciso LV do artigo 5º). Como negar que o patrocínio por advogado de confiança da parte seja, em lugar de mero capricho, um requisito inafastável para a garantia da defesa de seus interesses em juízo?

Nesta linha, temos precedente na jurisprudência:
TRABALHISTA – PROCESSUAL – EQUIPARAÇÃO SALARIAL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Atendidos os requisitos do art. 461 da CLT, ou seja, idêntica função, trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador e na mesma localidade, tem direito o obreiro a equiparação salarial. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DEFERIMENTO – A indispensabilidade da intervenção do advogado no processo traduz princípio de índole constitucional. Inconcebível exercício de ampla defesa, constitucionalmente assegurada, sem a presença do causídico. Honorários advocatícios devidos em homenagem ao princípio da sucumbência, em respeito à norma legal e hipossuficiência do obreiro. (CF, art. 133; CPC, art. 20, § 3º; Lei nº 8.906/94, art. 23 e Lei nº 5.584/70). Recurso ordinário conhecido e improvido. (TRT 22ª R. – RO 01324-2003-003-22-00-5 – Rel. Juiz Wellington Jim Boavista – DJU 01.06.2005 – p. 03)

O jus postulandi teve sua importância, mas agora chega. O direito e o processo do trabalho não são mais simples como pareciam. O país já conta com profissionais da advocacia em todos os rincões, aptos a defender os interesses das partes no processo trabalhista. Vamos ler a lei no contexto e pelo impacto da realidade que nos cerca, e na perspectiva do futuro que se abre. Olhar apenas pelo retrovisor não nos levará a lugar algum. Deixemos de lado o comodismo, ainda que, como diz a música de Zeca Balero, “é mais fácil mimeografar o passado que imprimir o futuro”.

Outro ponto a ser fixado é que as regras invocadas pela jurisprudência para negar os honorários advocatícios foram revogadas!

No caso, o caput do artigo 14 da Lei 5.584/70 dizia que “na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador”. Por sua vez, o § 1º do artigo 14 indicava que ”a assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”.

Substituindo estas regras, a Lei nº 10.288/01, acrescentou o § 10º do art. 789 da CLT, com a seguinte redação: § 10. O sindicato da categoria profissional prestará assistência judiciária gratuita ao trabalhador desempregado ou que perceber salário inferior a cinco salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em razão dos encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover à demanda.

Tendo sido a matéria alterada e regulamentada pela nova regra, temos por sua revogação tácita, na forma do art. 2º, § 1º, da LICC.

Posteriormente, o § 10º do art. 789 da CLT foi revogado pela Lei nº 10.537/2002, de modo que não se pode conferir efeito de repristinação ao dispositivo da Lei 5.584, não existindo mais no mundo jurídico a norma que, segundo a jurisprudência do TST, torna a assistência judiciária exclusiva para o sindicato. Há precedentes pela revogação do art. 14 da Lei 5.584: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – No processo do trabalho são devidos apenas com base, atualmente, na Lei nº 1.060-50, na medida em que a Lei nº 10.537-02 revogou o artigo 14 da Lei nº 5.584-70. Assim, quando o trabalhador ou quem o representa, mesmo de forma sintética, declara sua dificuldade econômica para demandar, e tal assertiva não é desconstituída, conforme autoriza a Lei nº 7.510-86, que alterou a de nº 1.060-50, são devidos honorários advocatícios, na base de 15% sobre o montante da condenação." (TRT 9ª R. – Proc. 00404-2003-069-09-00-6 – (04754-2004) – Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther – J. 12.03.2004).

Para contrariar este tese, o TST editou a OJ 305 da SDI-I, só para repetir o que já foi afirmado na súmula 219: OJ-SDI1-305 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REQUISITOS. JUSTIÇA DO TRABALHO. DJ 11.08.03. Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato.

Por outro lado, data vênia, em momento algum a Lei nº 5.584 afirma que somente o sindicato possa prestar a assistência judiciária. Pelo contrário.

A lei foi formulada para reafirmar o que a CLT já dizia, impondo ao sindicato o dever de prestar os serviços de assistência judiciária para os associados (artigo 514, b, da CLT), com o custeio do imposto sindical, na forma do art. 592, II, d, da CLT. Deste modo, temos que a Lei 5.584 veio para estender a assistência sindical para todos os integrantes da categoria, ainda que não associados (o que está expresso no artigo 18 da Lei nº 5.584), já que o serviço é custeado pelos recursos oriundos do imposto sindical, pago por todos. Além disso, e para viabilizar a prestação do serviço pelo sindicato, a Lei era necessária, para estipulação da regra constante do artigo 16, pela qual “os honorários do advogado pagos pelo vencido reverterão em favor do Sindicato assistente”. Claro aqui que os honorários são do advogado, o que é reforçado no momento pela regra do artigo 23 do Estatuto da OAB. No entanto, à época, havia a discussão se os honorários seriam devidos na assistência judiciária trabalhista. A polêmica gerou, inclusive, a edição da súmula 450 STF, pela qual “são devidos honorários de advogado sempre que vencedor o beneficiário da justiça gratuita”. Em laborioso estudo, o magistrado Kleber de Souza Waki colheu os precedentes que motivaram esta súmula. Revela que dos três precedentes a motivar a súmula, dois são de processos trabalhistas.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO. DIREITO À PERCEPÇÃO POR PARTE DO ASSISTENTE JUDICIÁRIO DA PARTE VENCEDORA. A parte vencida deve honorários do assistente judiciário do seu contendor, se êste vence a demanda” (RE 34.061-DF, Relator Ministro Villas-Bôas, 2ª Turma, STF, 23/09/1958)
EMENTA: Se, no processo trabalhista, o vencedor é beneficiário de justiça gratuita, deve ser condenado o vencido a pagar-lhe os honorários de advogado. (RE 51.029, 2ª Turma, STF, Relator: Ministro Victor Nunes, j. > 4.9.1962, audiência de publicação: 17/10/1962

Esta súmula é anterior a Lei 5.584/70. Portanto, o art. 791 da CLT, a prever a capacidade postulatória das próprias partes, não é e nunca foi obstáculo ao deferimento de honorários advocatícios.

Por falar em súmula do STF, torna-se necessário fazer menção ao verbete de número 633, a indicar: É incabível a condenação em verba honorária nos recursos extraordinários interpostos em processo trabalhista, exceto nas hipóteses previstas na Lei 5.584/70. Esta súmula dá a falsa impressão de que está a legitimar o entendimento consubstanciado na súmula 219 do TST. Conforme bem examinado por Kleber Waki, os precedentes que inspiram a súmula, a exemplo do ED-RE 180165-4-SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, fixam a premissa de que os honorários são indevidos no recurso extraordinário trabalhista por força de política judiciária. Quis o Supremo dizer que a lógica do processo do trabalho é isentar o trabalhador das despesas decorrentes da sucumbência, até como meio de não desestimular o livre acesso à justiça. A súmula 633 do STF foi formulada quando a Corte julgou centenas de recursos extraordinários envolvendo a tese de direitos adquiridos em planos econômicos. Em grande parte destas demandas, o TST reconhecia o direito invocado pelos trabalhadores e o STF reformava tais decisões, invertendo o ônus da sucumbência. Deste modo, embora não pareça, o Supremo pretendeu, por meio da súmula 633, apenas verbalizar que o trabalhador cuja demanda foi julgada improcedente responderá pelas custas do processo, mas não pelos honorários sucumbenciais. Tal premissa é válida e adequada para o processo do trabalho, de modo que não sustentamos a mera aplicação da sucumbência para quem perder o processo. No caso, o direito processual deve ser moldado para realizar o direito material. Assim, na forma do artigo 2º da CLT, o empregador responde pelos riscos de sua atividade econômica, o que inclui as despesas com seu advogado para defesa de seus interesses em juízo, ainda que tenha razão.

Quando digo isto, muitos devem estar pensando na nocividade de tal entendimento, pois os reclamantes tenderão a abusar nos pedidos, sabendo que não responderão por sucumbência nenhuma. Dirão que a sucumbência tem efeito pedagógico, para o trabalhador e para o advogado.

Não é bem assim.

A condenação por litigância de má-fé, em situações de nítida deslealdade do trabalhador pode funcionar como mecanismo para coibir os abusos, já que a gratuidade da justiça não pode servir de escudo para quem serve-se do processo para finalidades escusas.

Agora, a improcedência do pedido nem sempre decorre de má-fé. O direito do trabalho é dinâmico e por isso sempre surgem novas situações a demandar formulação de teses pelos advogados. Algumas são consagradas de pronto. Outras não vingam. Outras são consideradas até abusivas no início, mas depois tornam-se tese majoritária. Deste modo é que a mera fixação de honorários pela sucumbência, ainda que o beneficiário da justiça gratuita, não seja obrigado ao pagamento, seria nociva ao desenvolvimento do direito do trabalho, inibindo o acesso à justiça.

Retomando a questão da não-exclusividade da assistência judiciária pelo sindicato, lemos o artigo 17 da Lei nº 5.584/70: Art 17. Quando, nas respectivas comarcas, não houver Juntas de Conciliação e Julgamento ou não existir Sindicato da categoria profissional do trabalhador, é atribuído aos Promotores Públicos ou Defensores Públicos o encargo de prestar assistência judiciária prevista nesta lei. Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo, a importância proveniente da condenação nas despesas processuais será recolhida ao Tesouro do respectivo Estado.

Deste modo, a prestação de assistência judiciária pelo sindicato não é imprescindível. Ademais, com a prestação do serviço por outros agentes a despesa processual, ou seja, os honorários advocatícios, também são devidos pelo empregador sucumbente. A norma deve passar pelo filtro da Constituição de 1988. No caso, o serviço de defensoria pública não é disponibilizado de modo a atender o trabalhador, além do que o Ministério Público deve concentrar-se em missões maiores estipuladas pela Constituição de 1988, na defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade e pela realização dos direitos fundamentais. Assim, devemos entender que a Lei nº 5.584 complementou, e não substituiu plenamente a Lei nº 1.060/50, integrando com esta um poderoso sistema de garantia de acesso ao Judiciário pelo trabalhador hipossuficiente.

Tanto a lei nº 5.584 não possui plena autonomia na regulamentação da assistência judiciária que ainda hoje faz menção a forma de comprovação da hipossuficiência, há muito considerada revogada. No caso, lemos as seguintes regras nos §§ 2º e 3º do artigo 14 da Lei:
§ 2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 3º Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição onde resida o empregado.

Curioso é que o § 3º do art. 14 da Lei 5.584 deixou de ser aplicado em razão de alteração do art. 4º da Lei 1.060, promovida pela Lei 7.510/86, bastando a partir de então a declaração de pobreza, dispensando, assim, o atestado passado pela delegacia de polícia ou por autoridade do Ministério do Trabalho. Nenhuma voz levantou-se para dizer que o processo do trabalho conta com regra própria e, assim, a novidade estipulada na lei 1.060 não seria aplicável.

Considero, deste modo, que a lei 5.584 deve ser interpretada como uma ressalva da Lei 1.060, já que esta última só permitia a assistência judiciária mediante patrocínio da defensoria pública ou de advogado dativo, nomeado pelo juiz. Não bastasse, por determinação expressa do legislador, a lei 1060 aplica-se ao processo trabalhista, conforme consta em seu artigo 2º:
Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Deste modo, pugnamos pela aplicabilidade do artigo 11 da Lei 1.060 ao processo do trabalho:
Art. 11. Os honorários de advogados e peritos, as custas do processo, as taxas e selos judiciários serão pagos pelo vencido, quando o beneficiário de assistência for vencedor na causa.
§ 1º. Os honorários do advogado serão arbitrados pelo juiz até o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o líquido apurado na execução da sentença.
§ 2º. A parte vencida poderá acionar a vencedora para reaver as despesas do processo, inclusive honorários do advogado, desde que prove ter a última perdido a condição legal de necessitada.

Não aplicaríamos apenas o § 2º, em seu final, porque já fixamos a premissa de que, em razão de política judiciária adotada pelo legislador, os trabalhadores nunca pagarão despesas de sucumbência.

A exclusividade da assistência pelo sindicato viola o direito do necessitado de escolher o seu próprio advogado, já que a lei 1.060 estabelece a preferência na nomeação do advogado indicado pelo assistido, desde que o profissional aceite o encargo (artigo 5º, § 4º). Por outro lado, a exclusividade importaria em negativa do acesso ao Judiciário pelos trabalhadores de categorias inorganizadas em sindicato. Não bastasse, há que ser dito que muitos sindicatos não têm exercido bem o seu papel de representante dos interesses da categoria. Assim, no lugar de buscar conquistas para os trabalhadores, muitos tem se ocupado em aderir ao retrocesso social provocado por normas coletivas que flexibilizam e buscam frustrar a aplicação de direitos trabalhistas básicos. Assim, o sindicato, querendo ser moderno, praticando o direito do trabalho de emergência ou o pomposo nome de flexi-security negocia a supressão de intervalo destinado a repouso e alimentação, em especial nas jornadas 12x36 horas. Aceita regimes de compensação de jornada prejudiciais à saúde e à socialização do trabalhador. Renunciam horas in itinere com o argumento de que os empregadores estão concedendo a grande vantagem de fornecer gratuitamente o transporte. Reduzem percentuais de adicional de periculosidade. Aceitam a prorrogação de jornada em atividade insalubre sem nenhum estudo prévio acerca do impacto da medida na saúde do trabalhador. É este o sindicato que vai para a justiça prestar a assistência judiciária? A entidade terá condições de formular pretensões com o intuito de declarar a nulidade das absurdas cláusulas fixadas pelo mesmo sindicato na norma coletiva?

Quero agora tecer considerações sobre o entendimento de que os honorários caibam apenas nas lides que não se relacionam com um vínculo empregatício. Já demonstramos que tal entendimento não coaduna com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e que o artigo 791 da CLT não é obstáculo para o deferimento de verba honorária. No entanto, na lógica da isonomia, a tese expressa na Instrução Normativa 27 do TST e na súmula 219, item III, não pode ser validada.

Pensemos alto duas situações que demonstram a inconveniência deste posicionamento.

A nova competência da Justiça do Trabalho revela o desajuste do sistema: uma empresa foi autuada por descumprir uma norma de proteção ao trabalho. Ingressa com ação e obtém a anulação do auto. Com base na IN 27 o juiz defere honorários advocatícios, a serem pagos pela União. No mesmo caso, o trabalhador ingressa com ação individual para pleitear o direito sonegado pela empresa autuada. O juiz deu-lhe razão e deferiu o pedido. Vai ter que tirar uma parte de seu crédito para pagar o advogado.

Outro caso, mais estranho ainda. Um trabalhador, contratado formalmente como representante comercial, pleiteia o reconhecimento do vínculo empregatício e, sucessivamente, caso negado, direitos decorrentes da relação civil (diferenças e comissões retidas, aviso prévio, indenização por tempo de serviços e outras verbas). Reconhecido o vínculo, o juiz indefere o pleito de honorários, porque poderia ter exercido o jus postulandi ou buscado a assistência sindical. Rejeitado o reconhecimento do vínculo de emprego, e reconhecidos direitos decorrentes da relação de trabalho, caberá a condenação em honorários advocatícios, pela existência de uma relação de trabalho. Credo!

Esta distinção não tem o menor cabimento!

Assim, pelo princípio da isonomia, não faz sentido que os trabalhadores eventuais e autônomos tenham a garantia processual de percepção de honorários advocatícios e os trabalhadores empregados não.
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, 4ª Turma, autos do Recurso Ordinário n. 01663.2007.201.02.00 – 8, Relatora Desembargadora Ivani Contini Bramante. Os Princípios do Acesso à Justiça, da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, incisos XXXV e LV da Constituição Federal) pressupõem a defesa técnica do trabalhador, por profissional qualificado, não sendo possível restringir o direito do mesmo em optar pela nomeação de advogado particular, nos termos do art. 133 da Carta Magna. Em que pese a inaplicabilidade do princípio da sucumbência e a possibilidade do jus postulandi no Processo do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios tem amparo no princípio da restituição integral, expresso nos artigos 389, 404 e 944 do Código Civil.

Agora, se é para usar o parâmetro do jus postulandi como critério norteador único da condenação em honorários advocatícios, que tal ressalvar a aplicação das súmulas nos casos de terceirização, obrigando o tomador de serviços a pagar honorários advocatícios, haja vista que não estará no feito na condição de empregador e, pelo contrário, invoca quilométricas preliminares para defender que nem deveria figurar no pólo passivo?

Creio que já demos elementos suficientes para que os honorários advocatícios sejam deferidos de ofício pelo magistrado, em decorrência do reconhecimento de créditos trabalhistas em favor do empregado.

No entanto, é preciso investigar a aplicação do novo Código Civil e a possibilidade de cobrança de honorários contratualmente ajustados entre o trabalhador e seu advogado, na perspectiva do princípio da restituição integral. A tese é boa e decorre dos artigos 389, 395 e 404 do novo Código Civil.
Art. 389/CC: Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 395/CC. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 404/CC. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Como era de se esperar, o Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que tais regras não se aplicam ao processo do trabalho.
(...) 5. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS CONTRATUAIS. É inaplicável o disposto no art. 389 do Código Civil, tendo em vista que, na Justiça do Trabalho, os pressupostos para o deferimento dos honorários advocatícios encontram-se previstos no art. 14 da Lei nº 5.584/70. Recurso de revista conhecido e provido. Processo: RR - 47600-92.2004.5.02.0067 Data de Julgamento: 30/03/2011, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/04/2011.

No entanto, já há precedente do Superior Tribunal de Justiça deferindo a indenização por danos materiais decorrentes da contratação de advogado particular para ajuizamento de reclamação trabalhista.

Isto soa estranho, porque, afinal de contas, a competência para julgar este tipo de matéria não seria a trabalhista? Entende-se, porém, que não, porque a cobrança de honorários advocatícios seria matéria de índole civil, e não trabalhista.

A decisão proferida possui a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.027.797 - MG (2008/0025078-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. HONORÁRIOS CONVENCIONAIS. PERDAS E DANOS. PRINCÍPIO DA RESTITUIÇÃO INTEGRAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO CIVIL. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 3. A quitação em instrumentos de transação tem de ser interpretada restritivamente. 4. Os honorários convencionais integram o valor devido a título de perdas e danos, nos termos dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02. 5. O pagamento dos honorários extrajudiciais como parcela integrante das perdas e danos também é devido pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas, diante da incidência dos princípios do acesso à justiça e da restituição integral dos danos e dos arts. 389, 395 e 404 do CC/02, que podem ser aplicados subsidiariamente no âmbito dos contratos trabalhistas, nos termos do art. 8º, parágrafo único, da CLT. 6. Recurso especial ao qual se nega provido. STJ, Terceira Turma, Publicado no DJE em 23/02/2011.

Entendam o caso.

Um trabalhador ingressou com ação na Justiça do Trabalho de Minas Gerais pleiteando verbas trabalhistas que lhe foram sonegadas ao longo do contrato de trabalho. O feito foi extinto por acordo entre as partes, tendo constado quitação do objeto do litígio e do contrato de trabalho. Cumprido o acordo, o trabalhador ingressou na Justiça Comum, pretendendo a indenização do percentual de honorários repassado a seu advogado. O STJ entendeu que a quitação não abrangia a verba honorária porque nada mencionou-se a respeito, devendo a quitação ser interpretada restritivamente, na forma do artigo 843 do Código Civil, razão pela qual não haveria também coisa julgada a impedir a tramitação do feito.

A relatora, Ministra Nancy Andrighi deu-nos uma grande aula de como devem ser interpretadas as regras processuais trabalhistas, indicando que o artigo 791 da CLT, ao estabelecer que os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho, “deixou evidente ser facultativa a presença do advogado nos processos trabalhistas”, mas que, “sob a ótica do acesso à justiça, o empregado tem o direito de optar por ser representado em juízo por advogado de sua confiança”. O fio condutor do julgado foi a premissa de que o processo não pode importar prejuízos financeiros à parte que tem razão, conforme reconhecido na demanda. Disse a ministra que “a concessão do jus postulandi não pode ser utilizada como fundamento para penalizar o trabalhador que resolve contratar um advogado particular”.

O STJ aplicou o princípio da restituição integral, fixando que os honorários contratuais deveriam ser ressarcidos, independentemente dos honorários de sucumbência.

A relatora invocou o art. 8º da CLT para permitir a aplicação subsidiária das regras de restituição dos honorários contratuais, previstas no novo Código Civil.

Esta decisão abre uma nova perspectiva: o trabalhador pode formular pedido de honorários advocatícios de sucumbência no processo trabalhista. Independentemente do deferimento desta verba, pode em nova ação, na justiça comum, pedir o ressarcimento dos honorários contratuais.

É triste que se tenha de promover estratégia desta natureza, mas é um caminho, até que se mude a jurisprudência da Justiça do Trabalho sobre honorários advocatícios.

E o trabalhador pode pedir os honorários contratuais na própria reclamação trabalhista? Pode, mas é um risco. Primeiro, porque pode ser declarada a incompetência material com relação ao pleito. Segundo, porque se houver indeferimento do pleito, com base na jurisprudência majoritária trabalhista formar-se-á coisa julgada em relação à questão, fechando, deste modo, as portas para discussão do tema na Justiça Comum, onde as chances de êxito podem ser maiores.

Vale pontuar, ainda, um óbice que percebo, a inviabilizar grande parte dos pleitos de ressarcimento de honorários contratuais na Justiça do Trabalho.

Quase todos os reclamantes são beneficiários da justiça gratuita. Assim, se o trabalhador não tem condições de pagar os honorários advocatícios ao adversário, a lógica indica que não terá condições de remunerar o seu advogado. É incoerente e descabido que alguém beneficiário da justiça gratuita apresente contrato de honorários pelo qual compromete-se a pagar, 20%, 30%, 40% do resultado econômico de sua ação para o advogado. Tal cláusula é nula e não pode ser adimplida por meio de intervenção judicial. Vejam só: o trabalhador não tem condições de pagar 2% do valor da causa a título de custas mas pode repassar contratualmente 30% de seu crédito bruto para o advogado!

O crédito do trabalhador deve ser considerado intangível, em especial por ter origem em direitos trabalhistas. E aqui vamos abrir as feridas.

Há algum tempo tenho condenado o empregador sucumbente a pagar honorários advocatícios, em favor do advogado assistente do trabalhador, no percentual de 15%, como determina a lei nº 1.060.

Já ouvi advogado reclamando que o percentual fixado gera um constrangimento, porque o cliente questiona: se o juiz fixou os honorários em 15%, porque o advogado está me cobrando 30%?

Outros advogados comemoram e recebem os 15% a título de sucumbência e mais 30% do crédito bruto, para fazer valer o contrato. Pessoalmente, tenho que a conduta não tem amparo legal, porque o beneficiário da justiça gratuita não pode ser compelido a pagar honorários advocatícios para ninguém, nem mesmo para o advogado que constituiu para a ação.

E, como o inferno tem subsolo, já lidamos com situações em que o advogado, prestando assistência sindical, que por lei necessariamente é gratuita, recebia a verba honorária fixada em sentença e ainda cobrava 20% dos assistidos. Um acinte! Um absurdo! Mesmo assim, o comportamento irregular e abusivo de uns poucos advogados não pode ser fundamento para a negação do próprio direito.

O que importa, em síntese, é que não há razão jurídica que justifique o status quo. A Justiça do Trabalho deve eliminar este tributo invisível pago pelo trabalhador a título de honorários advocatícios. Não é possível que o processo continue sendo demorado e caro para quem tenha razão. Não é justo que os maus empregadores pratiquem a delinqüência patronal, na feliz expressão utilizada pelo professor Rodrigues Pinto e sejam premiados com uma justiça que é praticamente gratuita, com custas pagas ao final, e sem honorários pela sucumbência.

PALESTRA IGT IMUNIDADE PROCESSUAL E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SEGUNDA PARTE

Por outro lado, da abordagem proposta, gastaremos um pouco mais de tempo para refletir sobre os honorários advocatícios.

A matéria tem sido resolvida, diuturnamente, pela ótica do jus postulandi, ou seja, já que o trabalhador tem reconhecido o “direito” de ingressar com a ação trabalhista sem intervenção de advogado, deverá pagar pelo luxo que optou, ao contratar um profissional para defender seus interesses em juízo.

Estamos percebendo, no entanto, um firme e progressivo caminho em sentido contrário.
A súmula 219 do TST, datada originalmente do ano de 1985, sempre teve e ainda tem a redação pela qual indica-se que
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (ex-Súmula nº 219 - Res. 14/1985, DJ 26.09.1985)

O TST interpretou que, com o advento da Lei 5.584/70, os honorários advocatícios restringem-se à hipótese estabelecida no diploma legislativo, a exigir simultaneamente a condição de beneficiário da justiça gratuita pelo reclamante e a assistência sindical para deferimento de verba honorária, em favor do sindicato, e nunca superior a 15% do montante da condenação.

Nos últimos anos, porém, este entendimento bastante rígido vem sendo relativizado.

Primeiro, ainda em 1985, foi editada a súmula 220 do TST, irmã siamesa da súmula 219, para dizer:
SUM-220 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL (cancelamento mantido) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/1970, são devidos os honorários advocatícios, ainda que o sindicato figure como substituto processual.

Esta súmula foi cancelada em 1996 porque tornou-se incompatível com o item VIII da súmula 310, sobre substituição processual. No caso, a súmula 310 registrava que “quando o sindicato for o autor da ação na condição de substituto processual, não serão devidos honorários advocatícios”.

Depois de reiterados julgados do STF afirmando que, ao contrário do entendimento exposto na súmula 310, o sindicato tinha legitimidade ampla para ajuizar ações em substituição processual para a defesa de direitos e interesses individuais da categoria, foi necessário o cancelamento do verbete, ocorrido no ano de 2003.

Paulatinamente, a jurisprudência veio corrigindo os rumos, até que em maio de 2011, passou a integrar a súmula 219 o seu item III, a indicar:
III - São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego.

Assim, os honorários voltaram a ser estipulados na hipótese de substituição processual, patrocinada pelo sindicato. Tal medida revela-se positiva porque estimula a utilização das ações coletivas. Sem os honorários advocatícios, o sindicato pode sentir-se inibido a fazer uso da substituição, que possui a grande vantagem de despersonalizar o conflito entre o trabalhador lesado e seu empregador, permitindo que a Justiça garanta os direitos dos empregados ainda no curso de seus contratos de trabalho. Na linha do entendimento tradicional sobre a matéria, a substituição processual pelo sindicato gera os honorários advocatícios, desde que os substituídos sejam beneficiários da justiça gratuita, para que será necessário declarar sua condição de hipossuficiência nos autos.
Ementa: RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTOS NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SINDICATO - SUBSTITUTO PROCESSUAL - REQUISITOS - LEI Nº 5.584/70. Atuando como substituto processual, ao sindicato só caberá o direito aos honorários advocatícios se preenchidos os requisitos legais e mediante a comprovação da hipossuficiência econômica de todos os substituídos, o que não ocorre na espécie, conforme afirmado pelo acórdão impugnado. Precedentes da SBDI-1. Recurso de Embargos não conhecido. Processo: E-RR - 122200-11.2004.5.04.0332 Data de Julgamento: 31/03/2011, Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 08/04/2011.
Ementa: RECURSO DE EMBARGOS DO SINDICATO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SINDICATO. SUBSTITUTO PROCESSUAL. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DOS SUBSTITUÍDOS. Prevaleceu, no julgamento do Processo n.º TST-E-ED-RR-186600-24.2005.5.05.0121, da relatoria do Min. Horácio de Senna Pires, em 25/11/2010, o entendimento segundo o qual são devidos os honorários advocatícios ao Sindicato quando atua como substituto processual, na hipótese em que declarada a insuficiência econômica de seus substituídos. No caso concreto, consta da petição inicial a declaração de que os empregados substituídos, cujo rol se encontra presente nos autos, não têm condições de demandar sem prejuízo de seu sustento e de seus familiares. Sob tal perspectiva, devem ser deferidos os honorários advocatícios ao Sindicato-Autor. Ressalva da Relatora. Embargos conhecidos e providos. (...) Processo: E-ED-RR - 76900-18.2006.5.05.0012 Data de Julgamento: 24/03/2011, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 01/04/2011.

Por outro lado, a jurisprudência já foi mais rigorosa com a prova da credencial sindical. Exigia-se petição com o papel timbrado do sindicato, procuração do trabalhador para o advogado que subscrevesse a inicial, documento assinado pelo presidente do sindicato, constando o deferimento da assistência sindical, com procuração outorgada ao advogado pelo sindicato, para fins de assistência judiciária e cópias das atas de eleição e posse da diretoria do sindicato, para comprovar a condição de quem aparece na prova documental deferindo a assistência.
Ementa: I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FORMA DE COMPROVAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SINDICAL. PROCURAÇÃO FIRMADA EM PAPEL TIMBRADO DO SINDICATO. Constatada possível violação do artigo 818 da CLT, o Agravo de Instrumento deve ser provido para melhor análise do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido.- II - RECURSO DE REVISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FORMA DE COMPROVAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SINDICAL. PROCURAÇÃO FIRMADA EM PAPEL TIMBRADO DO SINDICATO. O Regional indeferiu os honorários advocatícios tendo como fundamento a ausência de comprovação que demonstre a existência de vínculo específico entre o ente sindical e a causa trabalhista em discussão, embora conste na procuração firmada o timbre do Sindicato da categoria. Este fato, contudo, não autoriza a conclusão de que o causídico constituído possua outorga de poderes pelo ente sindical, porquanto é imprescindível que conste do instrumento de mandato designação expressa do Sindicato credenciando e delegando poderes ao advogado para prestar a assistência judiciária sindical, ou ainda, declaração do Sindicato de que o advogado está a seu serviço, que não se pode conceber por mera presunção. Desta forma, para se chegar à conclusão diversa, ou seja, de que o advogado do reclamante pertence ao sindicato da categoria, ou, ao menos, tem autorização do presidente para atuar em nome deste, necessário seria a incursão nas provas colacionadas aos autos, o que é vedado pela Súmula nº 126/TST. Recurso de revista não conhecido. Processo: RR - 39541-28.2006.5.05.0014 Data de Julgamento: 18/08/2010, Redatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/09/2010.
Ressaltamos, porém, que a tendência da jurisprudência do TST é no sentido de não exigir nada além do papel timbrado para prova da assistência sindical, sob argumento de que pode se presumir a boa-fé daqueles que litigam na Justiça do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NECESSIDADE DE CREDENCIAMENTO EXPRESSO DA DIRETORIA DO SINDICATO AO ADVOGADO QUE PRESTA ASSISTÊNCIA EM NOME DA ENTIDADE SINDICAL. A legislação específica que trata da matéria (artigos 14 e 16 da Lei nº 5.584/70) não exige qualquer instrumento formal para credenciamento dos advogados pertencentes ao quadro do sindicato, nada esclarecendo a respeito da forma de nomeação do advogado que acompanhará a causa. Não define, portanto, se a procuração pode ser assinada diretamente pelo empregado ou necessariamente pelo sindicato da categoria que designa o advogado. Desse modo, a petição feita em papel timbrado do sindicato, assinada por causídico com procuração nos autos, não pode ser invalidada para fins de pagamento de honorários advocatícios por absoluta falta de previsão legal específica. Recurso de revista conhecido e provido.- (TST-RR-52840-58.2008.5.03.0111, 6ª Turma, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT de 25/9/2009)
Ementa: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FORMA DE COMPROVAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SINDICAL. O ordenamento jurídico não disciplina a forma pela qual deve ser comprovada a assistência sindical. A Lei n.º 5.584/70, que rege a matéria, apenas arrola os requisitos necessários ao deferimento dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho. Recurso de embargos não conhecido. Processo: E-RR - 22600-87.2001.5.17.0161 Data de Julgamento: 11/02/2010, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 26/02/2010.

Outra ressalva feita no item III da súmula 219 diz respeito aos honorários advocatícios quando a causa não versar litígio entre empregado e empregador. Isto ocorre porque o artigo 791 da CLT faculta empregado e empregador a defenderem pessoalmente seus interesses nos processos trabalhistas. Assim, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para julgar lides envolvendo outras relações de trabalho de natureza civil, lides sindicais e questões administrativas relacionadas à fiscalização exercida pelo Ministério do Trabalho, concluiu-se serem devidos os honorários para estas novas causas, já que a capacidade postulatória não teria sido conferida aos litigantes que não se encontram na condição de empregado ou de empregador.

Ainda em razão da EC 45 surge um novo furo na interpretação restritiva aos honorários. É que a jurisprudência tem firmado a posição pela qual os honorários advocatícios são devidos nas ações iniciadas na Justiça Comum e remetidas para a Justiça do Trabalho por força da Reforma do Judiciário. É que percebeu-se que o jus postulandi não poderia ser exercido pelo trabalhador na área cível, razão pela qual o advogado era imprescindível para o ajuizamento da demanda, quando deu-se o fato.
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO ANTERIORMENTE PROPOSTA NA JUSTIÇA COMUM. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NA LEI N.º 5.584/1970. In casu, discute-se se o fato de a presente demanda ter sido iniciada inicialmente na Justiça Comum afasta a necessidade do preenchimento dos requisitos previstos na Lei n.º 5.584/1970 para o deferimento dos honorários advocatícios . De acordo com o entendimento firmado por esta Subseção, tendo havido o ajuizamento da ação perante a Justiça Comum, em virtude da controvérsia quanto à competência para apreciação das demandas relativas à indenização por dano moral decorrente de acidente de trabalho, o deferimento dos honorários advocatícios não está sujeito ao preenchimento dos requisitos previstos na Lei n.º 5.584/1970 (TST-E-ED-RR-9954400-51.2005.5.09.0091, Redator Designado Aloysio Corrêa da Veiga). Recurso de Embargos conhecido e provido.- (Processos: E-ED-RR - 139000-41.2007.5.09.0245, DEJT 06/08/2010 e E-RR - 155600-21.2005.5.17.0008 DEJT 28/06/2010, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais)

Por outro lado, com a súmula 425, editada no ano de 2010, o TST restringiu a utilização do jus postulandi no processo do trabalho:
SUM- 425 JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE - Res. 165/2010, DEJT divulgado em 30.04.2010 e 03 e 04.05.2010. O jus postulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.

Como conseqüência deste verbete, em maio de 2011 o TST incluiu o item II da súmula 219 do TST, a indicar:
II - É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista.

Antes disso, na súmula 219 o TST dizia o contrário, ou seja, que o deferimento de honorários era incabível na ação rescisória, salvo se preenchidos os requisitos da Lei nº 5.584/70.

Quem sabe a Corte Superior não dê um passo a mais, para dizer que, sendo imprescindível a intervenção de advogado junto ao TST, serão devidos honorários advocatícios nos recursos que lá chegam, seja por revista, seja por agravo de instrumento. Seria um bom mecanismo de filtro recursal, desestimulando a prática corrente de empresas que vão ao Tribunal Superior do Trabalho com recurso manifestamente incabível.

PALESTRA IGT IMUNIDADE PROCESSUAL E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Caros Amigos,
no último dia 19 de agosto de 2011, tive a honra de palestrar no Congresso Goiano de Direito do Trabalho, promovido pelo IGT - Instituto Goiano de Direito do Trabalho e AMATRA 18 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 18ª Região. Trata-se do maior evento jurídico da área trabalhista em Goiás, já em sua 17ª edição.

Atendendo a pedidos, disponibilizo a minha intervenção na íntegra, inclusive com abordagens que em razão do tempo não nos foi possível tratar. Neste primeiro post, temos o início da palestra e a abordagem sobre a imunidade processual.

TEMA: Dos honorários advocatícios à imunidade processual: novas demanda do acesso à Justiça do Trabalho.

Cumprimentos.

Agradecimentos ao convite.

Começo a minha intervenção neste Congresso, contando uma história.

Poderia ser um conto inventado, fruto da fértil imaginação do ser humano. Mas, como diria Nelson Rodrigues, vou falar da vida como ela é.

Um trabalhador terceirizado ingressa com ação em face de seu empregador e do tomador de serviços, denunciando diversos descumprimentos de obrigação trabalhista. Após notificação da reclamada, é transferido de local de trabalho e vê suprimido o fornecimento de refeição e vale-transporte. Em audiência, é dispensado sem justa causa e sem acerto rescisório. Ganha a causa, mas o juiz indefere o pleito de honorários advocatícios.

O acesso à justiça envolve não apenas questões de índole processual, mas, também o acesso à ordem jurídica justa e a efetividade dos direitos reconhecidos no ordenamento jurídico.

É inaceitável que o empresário promova despedidas em retaliação ao exercício do direito de ação do empregado. Neste caso, revela-se a abusividade do comportamento patronal, utilizando mecanismo nítido de discriminação, pela irracionalidade do critério eleito para a não-permanência do reclamante em seu quadro de pessoal.

No direito espanhol, colecionamos a consagrada tese no sentido de que, para se ter tutela jurisdicional efetiva, o empregado deve ser blindado contra qualquer ato de represália patronal, decorrente do legítimo exercício do direito de ação. É o que se tem chamado de “indemnidad”. Neste sentido, em tradução livre, citamos Diego Álvarez Alonso (La garantia de indemnidad Del trabajador frente a represalias empresariales. Editorial Bomarzo. Albacete. Espanha. 2005, p. 54):
“Para lograr dita efetividade plena da tutela judicial resulta imprescindível estabelecer algum mecanismo protetivo que impeça que quem busque os tribunais para a tutela de seus direitos resulte prejudicado em seus interesses pessoais ou profissionais, como conseqüência do ato, pois, de outro modo, só formalmente poder-se-ia falar em tutela efetiva. A partir desta perspectiva, a garantia de imunidade viria a fechar o círculo de instrumentos básicos ao serviço da efetividade da tutela judicial, cujo núcleo é formado pelo direito à execução das decisões judiciais e as medidas cautelares, mas que resultaria incompleto sem a nulidade de eventuais represálias em razão do exercício da ação judicial. Assim pois, vinculando a garantia de imunidade ao direito à efetividade da tutela judicial seria possível exigir dos juízes e tribunais a declaração de nulidade dos atos de represália, e, em caso não obtenção, imputar ao órgão jurisdicional a violação do art. 24.1 CE”.

Para o caso brasileiro, a despedida de vingança fere a convenção 111 de combate a todas as formas de discriminação nas relações de trabalho. Além disso, fere o princípio do acesso à justiça e a assistência jurídica integral, eis que impõe pesado ônus a quem exerceu o direito de ação, constitucionalmente assegurado. Defendemos, como remédio para a situação, a utilização do artigo 4º da Lei 9.029 como norte para a reparação efetiva do dano causado pela despedida ou qualquer medida de vingança contra o empregado que aciona seu empregador na justiça.
Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: (Redação dada pela Lei nº 12.288, de 2010)
I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;
II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Vale dizer, inclusive, que no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho já há precedente a respeito:
EMENTA. CONTRATO DE TRABALHO. DIREITOS ANEXOS. INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA RETALIATIVA. O quadro fático delineado pelo Regional demonstra que houve ação trabalhista ajuizada pelo autor anteriormente, em que houve desistência e, após dois dias, foi dispensado, ficando demonstrada a presunção de discriminação e conduta retaliatória. A partir de detida apreciação dos elementos angariados na instrução probatória, deixa às claras o cometimento de lesão e direitos da personalidade corporificados no Reclamante, a saber o livre acesso ao Judiciário. Quanto ao montante financeiro arbitrados para reparação dos danos morais, fixado em R$ 30.000,00, não vislumbro que tal valor extrapole os limites – mínimos ou máximos - da razoabilidade, de modo a autorizar sua reapreciação nessa instância extraordinária. Não conhecido. (...) Processo RR 138600-50-2008-5-03-0086. Data de Julgamento: 26/05/2010. Relator Ministro Emmanoel Pereira. 5ª Turma. Data de Publicação: DEJT 04/06/2010.


DEBATE SOBRE DIREITO COLETIVO - SEGUNDA PARTE

OS LIMITES DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA.
A negociação coletiva é instrumento criativo que faz revigorar o Direito do Trabalho e permite o avanço social consubstanciado em novas conquistas para os trabalhadores, além de promover a adequação da norma às especificidades de uma determinada categoria ou serviço. Sobre os limites da negociação coletiva, temos por necessária a fixação das seguintes premissas:
1 – O reconhecimento constitucional dos acordos e convenções coletivas deve ser feito nas perspectivas do princípio protetor e da vedação ao retrocesso social, conforme caput do artigo 7º da Constituição. Em conseqüência, a flexibilização redutora de direitos só pode ser utilizada nos limites admitidos no texto constitucional.

2 – O sindicato não detém legitimidade para negociar conceitos jurídicos definidos na legislação, podendo negociar condições de trabalho. Assim, não pode fixar condições para o reconhecimento do vínculo empregatício e registro da CTPS. Não pode, por igual, definir natureza indenizatória e base de cálculo para as horas extras de modo diverso do apontado na legislação, inclusive no que tange às horas in itinere.

3 – A negociação não pode impor norma processual, dada a exclusividade estatal em sua produção, a exemplo de fixação de ônus da prova e presunção de veracidade de documentos em poder do empregador.

4 – Será inválida qualquer norma coletiva que prejudique condição de trabalho fixada em lei no intuito de proteger a saúde e a segurança do trabalhador, o que inclui o sistema de repousos, desde o intervalo intrajornada. A negociação em matéria de segurança e saúde do trabalhador só é possível nas hipóteses e condições estipuladas nas Normas Regulamentadores, expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

5 – A negociação coletiva serve para fixar condições de trabalho a serem observadas para o futuro. Não se presta à negociação envolvendo passivo trabalhista empresarial, quando não assegurada a quitação integral do direito dos trabalhadores. É que o sindicato não tem poder para transigir sobre direitos individuais.

6 – O poder diretivo compartilhado deve ser exercido como mecanismo de assegurar o contraditório e a ampla defesa no exercício de medidas disciplinares por parte do empregador. O compartilhamento presta-se a inovar o ordenamento jurídico interno da empresa, criando regulamento de pessoal pela via democrática da negociação entre patrões e empregados, caso em que a norma vale como regulamento, sendo prescindível o seu registro perante o Ministério do Trabalho. A negociação não se presta a revogar ou alterar in pejus o regulamento vigente na empresa, devendo prevalecer na esfera individual a perspectiva do direito adquirido e da condição mais benéfica, de que trata a súmula 51 do TST. Aqui também a perspectiva é no sentido de que o sindicato não pode transigir sobre direito adquirido do trabalhador individualmente considerado.

7 – O controle de legalidade das normas coletivas não pode ser feito de modo a inibir a autonomia coletiva privada e a espontaneidade do movimento associativo dos trabalhadores. No entanto, os agentes públicos responsáveis pela tutela coletiva dos trabalhadores não podem permanecer inertes diante do uso dos instrumentos de negociação coletiva para fins de renúncia a direitos indisponíveis, ataque a direitos fundamentais e precarização das relações de trabalho.

8 – Temos pela necessidade de conferir interpretação conforme à Constituição de 1988 ao artigo 617 da CLT. Assim, a intervenção sindical é obrigatória na negociação, não podendo o empregador negociar diretamente com seus empregados, salvo na hipótese em que haja recusa infundada do sindicato e a negociação tenha por intuito a criação de vantagens efetivas aos trabalhadores, não implicando em redução dos direitos assegurados em lei. Adotada a negociação direta, a comissão de empregados deverá, em analogia ao artigo 522 da CLT, conta com até sete membros, titulares e suplentes, com garantia de emprego dos trabalhadores que a integrarem até um ano após a conclusão das negociações.

9 – É nula a negociação que importa em redução de salários sem instituição de vantagens efetivas aos trabalhadores, em especial quanto à garantia de emprego em momento de crise econômica ou financeira que atinge o empregador.

10 – Em respeito à Convenção 98 da OIT, a negociação coletiva não pode importar em criação de contribuição a ser paga pelos empregadores em prol do sindicato da categoria profissional, haja vista a caracterização de conduta anti-sindical para o procedimento.

11 – A negociação coletiva pode fixar procedimentos para controle da atividade laboral dos empregados, bem como a utilização de novas tecnologias, mas vedada sempre a revista íntima e demais procedimentos que importem em abusiva lesão à intimidade e dignidade do trabalhador.

12 – A negociação coletiva internacional, em especial no âmbito do MERCOSUL, deve ser estimulada como forma de garantir a justiça social e o trabalho decente na economia globalizada.

13 – O Estado deve garantir melhores condições de competitividade e crescimento para as micro e pequenas empresas. A negociação coletiva não pode servir de instrumento discriminatório a negar direitos em razão do tamanho do empregador ou do número de estabelecimentos por ele mantidos.

14 – Diante do cancelamento da súmula 349 do TST, é nulo de pleno direito a instituição de regime de compensação ou prorrogação de jornada em atividade insalubre, sem que haja inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho, na forma do artigo 60 da CLT.

15 – As garantias de emprego estipuladas na legislação foram instituídas em razão de aspectos sociais, culturais e históricos que as legitimam. Assim, a exemplo das OJs 30 e 31 da SDC do TST, as garantias de emprego não podem ter seu alcance reduzido por meio de negociação coletiva.

16 – A negociação pode estipular natureza indenizatória de parcela para a qual haja previsão legal neste sentido, como ocorre com a parcela de alimentação, evidenciando que seu caráter salarial não é imprescindível.

17 – Não fere a isonomia a instituição de piso fundado no tempo de serviço, em especial para o contrato de experiência (OJ 25 da SDC do TST).

18 – A negociação não poderá instituir taxa para homologação do termo rescisório, haja vista tratar-se de dever do ente sindical (CLT, art. 477, § 5º e OJ 16 da SDC do TST).

FORMA CONJUNTA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS.
Os agentes de defesa coletiva dos trabalhadores devem priorizar as soluções negociadas para os conflitos coletivos, haja vista a agilidade que induz no cumprimento da legislação trabalhista. Assim, além de negociação coletiva e mediação, será possível a solução do conflito por meio de termos de compromisso de ajuste de conduta. Não resolvida a questão extrajudicialmente, a ação civil pública ou outro instrumento coletivo eleito deve contar com a atuação prioritária do Poder Judiciário, como forma de viabilizar condições decentes de trabalho a todos.



DEBATE SOBRE DIREITO COLETIVO

Caros amigos,
Nesta sexta-feira, funcionarei como debatedor do IV Congresso sobre a atuação e interação da Advocacia-Geral da União, da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Goiás, realizado no Auditório do TRT da 18ª Região. O tema é "Ação Civil Pública, os limites da negociação coletiva e a forma conjunta de resolução de conflitos" e o Palestrante é o Procurador do Trabalho Luís Fabiano de Assis.
Sabedor que o tempo é inimigo e não possibilita que seja expressa toda a exposição, disponibilizo publicamente minha intervenção sobre cada um dos blocos temáticos do debate.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
Estamos firmes na convicção de que a coletivização do processo é um caminho para a efetividade dos direitos do trabalho e também para que o setor produtivo defenda-se de práticas de concorrência predatória, amparadas na redução de custos pela negação dos direitos assegurados ao trabalhador.
Assim, lançamos algumas idéias sobre o tema:
1 – Necessidade de flexibilizar o entendimento consubstanciado na OJ 130 da SDI-II do TST, no sentido de facilitar a instrução e a própria solução do litígio por juízes que estão inseridos na realidade do conflito social coletivo. Considerando que o entendimento jurisprudencial de que uma das Varas do Trabalho de Brasília deva julgar um conflito inter-regional, o melhor seria o julgamento conduzido por magistrados conhecedores da realidade do conflito, inclusive na expressão individual. Pensamos que assim o artigo 93 do CDC será interpretado de modo mais adequado com a moldura constitucional do princípio do acesso à justiça.

2 – Observância do critério da ciência oficial da lesão coletiva, pelo qual os agentes de garantia da efetividade dos direitos dos trabalhadores (juízes do trabalho, procuradores do trabalho, auditores-fiscais do trabalho e sindicatos) deveriam comunicar os demais sempre que houver conhecimento acerca de lesão de expressão coletiva. No caso específico do magistrado, a comunicação poderá ser feita antes mesmo do julgamento de ação individual na qual seja conhecido o conflito, como forma de agilizar as medidas de tutela coletiva a serem adotadas, ao mesmo tempo em que os demais magistrados passam a conhecer de fatos apurados em órgão jurisdicional diverso do que atua.

3 – Atenção especial à tutela coletiva da saúde e segurança do trabalhador, fazendo valer os preceitos constitucionais da redução dos riscos inerentes ao trabalho, do meio ambiente de trabalho equilibrado e da proteção em face da automação. Neste ponto, a dignidade da pessoa do trabalhador deve sempre prevalecer sobre possíveis interesses econômicos em choque.

4 – Além do meio ambiente de trabalho, as ações coletivas devem priorizar a efetivação dos princípios fundamentais enunciados pela Organização Internacional do Trabalho, em matéria de abolição ao trabalho precoce, abolição do trabalho em condições análogas à escravidão, combate à discriminação e efetivação da liberdade sindical.

5 – Os agentes públicos envolvidos na efetivação da tutela coletiva dos trabalhadores devem buscar os meios de divulgação disponíveis para o mais amplo conhecimento acerca da decisão judicial relacionada, como forma de alertar clientes e consumidores acerca da postura do empregador envolvido, além de conferir efeito pedagógico, dando aos trabalhadores a noção de que vale a pena denunciar o comportamento ilícito de seu empregador, além de mostrar aos empregadores que não compensa lucrar sobre a exploração abusiva de seus empregados.

6 – Compreender a legitimidade do Ministério Público do Trabalho na maior amplitude possível para a tutela coletiva dos trabalhadores, inclusive sobre direitos individuais homogêneos, em especial quando a lesão ataque direitos constitucionalmente assegurados ou quando a conduta lesiva conta com a participação do sindicato da categoria profissional.

7 – Formação de litisconsórcio ativo entre o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública, o sindicato e a União Federal – inclusive o próprio Ministério do Trabalho e Emprego, na autorização que parece-nos conferida pelo artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor – em casos emblemáticos que demandem a demonstração de força e união entre os agentes de defesa coletiva do trabalho, como em situações de terceirização irregular, trabalho degradante e trabalho escravo.

8 – Compreensão de que a homogeneidade do direito individual, a caracterizar a ação coletiva, não implica necessariamente que todos os empregados sejam atingidos na mesma extensão pelos danos causados pelo empregador. A decisão em sede de tutela coletiva é genérica por expressa autorização legal, ficando para o momento da execução a necessária individualização dos trabalhadores lesados e que se enquadram como beneficiários do julgamento proferido.

9 – Necessidade de intimação do MPT em todas as ações de índole coletiva, ainda que não figure como autor, para que atue como assistente litisconsorcial ou fiscal da lei.

10 – As condenações pecuniárias nas ações em que se discuta dano moral coletivo devem ser arbitradas em valor que atinja o efeito repressivo e pedagógico. Os valores apurados devem ser destinados a ações que efetivamente promovam a reparação do dano causado, beneficiando a comunidade local atingida ou direcionando-se ao financiamento de campanhas de educação e cidadania no trabalho, publicações científicas ou eventos que tenham por intuito debater e informar acerca da modalidade de lesão apurada.

11 – As tutelas de urgências devem ser examinadas na ótica da prevenção da perpetuação do dano. Assim, não se pode exigir prova inequívoca da lesão, em especial quando o pedido liminar resume-se a exigir que o empregador cumpra a lei, obrigando-o a proceder em conformidade com a legislação protetiva ao trabalho humano (na concessão de intervalo intrajornada, por exemplo) ou na abstenção de prática considerada ilegal (como, por exemplo, a concessão de liminar proibindo a exigência de horas extras habituais acima da segunda hora extraordinária por dia). Neste caso, a liminar não deveria ser cassada na via do mandado de segurança, haja vista que tal importaria em afirmar que o empregador teria direito líquido e certo de delinqüir. Para efetivar a tutela de urgência, deve ser imposta multa pecuniária diária que torne caro a permanência do empregador em sua conduta lesiva.

12 – Ainda que não submetidas ao contraditório, dada a natureza inquisitiva do inquérito civil, as provas colhidas pelo MPT nesta esfera constituem indícios substanciais da ocorrência do ilícito denunciado, circunstância que provoca a inversão do ônus da prova, cabendo ao empregador desconstituir robustamente o fato constitutivo ou apresentar prova suficiente de fatos modificativos, extintivos ou impeditivos porventura alegados.

13 – Solução do conflito coletivo prioritariamente por meio de conciliação, atendendo ao espírito norteador das relações de trabalho. No caso, da assinatura de termo de compromisso de ajustamento de conduta seria desejável a participação, além do Ministério Público do Trabalho, também da autoridade local do Ministério do Trabalho e Emprego, reforçando a atuação estatal na solução do conflito e a própria fiscalização de seu cumprimento. É conveniente que as autoridades judiciárias sejam comunicadas do TAC para que possam posteriormente noticiar possíveis infrações verificadas em processos individuais envolvendo o compromissado.

14 – A coisa julgada coletiva deve ser adequada, em consonância com a regência conferida pelo artigo 103 do CDC. Assim, a procedência na tutela coletiva dispensa a ação individual, cabendo a individualização dos lesados na fase de execução. Sem desconhecer a jurisprudência em sentido contrário, pensamos não haver motivo para limitar o alcance da coisa julgada aos substituídos identificados na fase de conhecimento, naquelas ações em que o rol de beneficiários seja juntado pelo autor. Em caso de improcedência, ainda que por rejeição da tese jurídica em que se baseia o pleito, a sentença coletiva em nada prejudica o exercício do direito individual de ação em relação aos interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes.

15 – Possibilidade de uso da ação civil pública como meio de inibir condutas anti-sindicais, inclusive contra o sindicato profissional, em especial no ajuste de preferência de contratação de trabalhadores sindicalizados e na instituição de contribuições ilegais, impostas aos não-filiados.

16 – Reconhecimento de legitimidade de associações não sindicais para a tutela de direitos coletivos, em especial quando a lesão denunciada é produzida por ato do sindicato da categoria.

17 – As ações coletivas devem ser tratadas como afirmação do Estado Democrático de Direito, merecendo o cuidado especial dos atores legitimados e o rigor do Judiciário na punição dos maus empregadores. O interesse econômico vem em segundo plano, haja vista que o próprio setor produtivo clama por ética na concorrência. Os atores de proteção coletiva dos trabalhadores não devem se curvar diante de ameaças empresariais de evasão do capital e empregos.

O restante será disponibilizado no post seguinte.