Informo que no último dia 4 de maio de 2012 a plenária do CONAMAT - Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - aprovou tese de minha autoria, envolvendo a responsabilidade da administração pública nos casos de terceirização. Em síntese, desenvolvo o raciocínio de que o julgado do STF na ADC 16 não levou em consideração a convenção 94 da OIT, tratado internacional de direitos humanos e que protege os trabalhadores inservidos nos contratos de trabalho com o poder público, incluindo terceirização, razão pela qual é possível responsabilizar o Estado, com base na convenção da OIT, sem que isso importe em afronta ao que foi julgado na ADC.
Evitando confusões possíveis, esclareço que esta convenção foi denunciada pelo Brasil em 1973 mas, em seguida, em 1974, o Governo revogou o decreto de denúncia, retomando a vigência da norma no plano jurídico interno.
Compartilho a tese para que reflitam e quem sabe busquem sua efetivação na jurisprudência trabalhista.
TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A COMPATIBILIDADE DO JULGADO PROFERIDO NA ADC 16/STF COM A APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO 94/OIT.
FABIANO COELHO DE SOUZA
mmfabianocoelho@uol.com.br
Tese apresentada junto ao XVI CONAMAT – Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, com enquadramento na Comissão 1: Novas configurações sociais e a efetividade da atividade judicial, nos moldes dos Artigos 17 e seguintes do respectivo Regulamento.
Ementa: Controle de convencionalidade do Art. 71 da Lei 8.666/93. Questão não enfrentada pelo STF quando do julgamento da ADC 16. Prevalência da responsabilidade da Administração Pública na condição de tomadora de serviços em relação aos créditos dos trabalhadores terceirizados, incluindo matéria acidentária e prestação de serviços em contratos de obras. Aplicação da Convenção 94 da OIT, sobre cláusulas de trabalho em contratos com órgãos públicos, tratado internacional de direitos humanos devidamente ratificado pelo Brasil, e integrante do bloco de constitucionalidade ou, ao menos, com estatura de norma supralegal e hierarquicamente superior à Lei de Licitações.
TERCEIRIZAÇÃO NO SETOR PÚBLICO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A COMPATIBILIDADE DO JULGADO PROFERIDO NA ADC 16/STF COM A APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO 94/OIT.
Justificativa
O importante e atual tema da terceirização, pelo qual empresas deixam de contratar trabalhadores diretamente para usar mão-de-obra fornecida por empresas especializadas, em prestação de serviços específicos, provocou a edição da Súmula 331 do Colendo TST.
Nesta tese, centramos esforços no exame acerca da responsabilidade envolvendo os entes da Administração Pública direta e indireta. Para estes, ao contrário das empresas privadas que contratam serviços terceirizados a responsabilidade tem sido considerada na jurisprudência majoritária em seu aspecto meramente subjetivo, a depender da caracterização de culpa, em especial na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço. Esta conclusão constante da Súm. 331/TST decorreu do julgamento pelo STFederal da ADC 16, na qual afirmou-se a constitucionalidade do Art. 71 da lei 8.666/93 (Lei de Licitações).
O STF limitou-se a examinar a matéria apenas sob a ótica da Constituição Federal. Assim, sem que a autoridade do julgado na ADC 16 seja violada, propomos uma interpretação do tema à luz da Convenção 94 da Organização Internacional do Trabalho.
Referida Convenção trata das Cláusulas de Trabalho em Contratos com Órgãos Públicos, e foi aprovada no âmbito da 32ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra, 1949), entrando em vigor no plano internacional em 20 de setembro de 1952. No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 20, de 1965, ratificada em 18 de junho de 1965 e promulgada pelo Decreto nº 58.818, de 14 de julho de 1966, com vigência a partir de 18 de junho de 1966.
A norma internacional possui a seguinte redação:
“CONVENÇÃO N. 94 - Cláusulas de Trabalho em Contratos com Órgãos Públicos
(...)
Art. 1 — 1. A presente convenção se aplica aos contratos que preencham as condições seguintes:
a) que ao menos uma das partes contratantes seja uma autoridade pública;
b) que a execução do contrato acarrete:
I) o gasto de fundos por uma autoridade pública;
II) o emprego de trabalhadores pela outra parte contratante;
c) que o contrato seja firmado para:
I) a construção, a transformação, a reparação ou a demolição de obras públicas;
II) a fabricação, a reunião, a manutenção ou o transporte de materiais, petrechos ou utensílios;
III) a execução ou o fornecimento de serviços;
d) que o contrato seja firmado por uma autoridade central de um Membro da Organização Internacional do Trabalho, para o qual esteja em vigor a convenção.
2. A autoridade competente determinará em que medida e sob que condições a convenção se aplicará aos contratos firmados por autoridades que não sejam as autoridades centrais.
3. A presente convenção se aplica aos trabalhos executados por subcontratantes ou por cessionários de contratos; medidas apropriadas serão tomadas pela autoridade competente para assegurar a aplicação da convenção aos referidos trabalhos.
(...)
Art. 2 — 1. Os contratos aos quais se aplica a presente convenção conterão cláusulas garantindo aos trabalhadores interessados salários, inclusive os abonos, um horário de trabalho, e outras condições de trabalho que não sejam menos favoráveis do que as condições estabelecidas para um trabalho da mesma natureza, na profissão ou indústria interessada da mesma região: (...)”.
Aqui vale lembrar que no julgamento da ADC 16 o STF pontuou que a norma prevista na lei de licitações seria constitucional, ao prever a irresponsabilidade contratual da administração pública, haja vista que o art. 37, § 6º, da Constituição Federal limita-se a impor a responsabilidade objetiva patrimonial ou extracontratual dos entes públicos, o que não incluiria a responsabilidade contratual.
Da leitura do acórdão, percebe-se que em momento algum o STF estabeleceu o controle de convencionalidade do tão debatido art. 71 da Lei de Licitações, ficando o exame restrito à sua constitucionalidade. Por isso, lançamos aqui a ideia de que a ADC 16 em nada deveria alterar o posicionamento histórico da Justiça do Trabalho, em reconhecer a responsabilidade do ente público enquanto tomador de serviços. Pelo contrário, devemos, na linha da convenção 94 da OIT, tratado internacional de direitos humanos devidamente ratificado pelo Brasil e com posição hierárquica supralegal, acima, portanto, da Lei de Licitações, estabelecer um novo parâmetro investigativo acerca da responsabilidade em caso de terceirização.
Antes do debate jurídico, não é demais ponderar que a terceirização tem sido utilizada como estratégia de precarização das relações de trabalho, trocando a dignidade do trabalhador e os direitos fundamentais consagrados no art. 7º da Constituição Federal pela prevalência de interesses meramente econômicos daqueles empreendedores que utilizam-se de tal expediente para baratear o custo da mão de obra. No âmbito do poder público a questão resta agravada, haja vista que utiliza-se a terceirização para fins antissociais, com uso da terceirização como estratégia de burla ao concurso público, na indicação por apadrinhamento dos trabalhadores a serem inseridos nos contratos com as prestadoras de serviço, além de permitir que empresários lucrem com dinheiro público, sem cumprir direitos dos trabalhadores e sem que o Estado, que se diz solidário, também detenha a responsabilidade pela afirmação e prevalência de seu próprio ordenamento jurídico.
Esta tese, então, parte da premissa de que todas as convenções da OIT, ratificadas pelo Brasil e detentoras do status supralegal – para ficarmos aqui em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, embora o autor da tese defenda a ideia de que as convenções integram o denominado bloco de constitucionalidade e, assim, como normas consagradoras de direitos humanos possuem status constitucional. Nesta premissa, a Convenção 94 da OIT está acima da Lei de Licitações, em nossa hierarquia formal de normas.
Passamos, então, ao exame de normas constantes da convenção 94 da OIT e que tem pertinência com o tema proposto.
A convenção aplica-se sempre que uma das partes contratantes seja uma autoridade pública (Art. 1-a) e que a execução do contrato acarrete o gasto orçamentário público e o emprego de trabalhadores pelo contratado. Deste modo, a convenção aplica-se a todas as hipóteses de terceirização no setor público. Neste sentido, chamo a atenção para o fato de que a convenção abarca contratos firmados para a construção, transformação, reparação e demolição de obras públicas (Art. 1-b-II), pelo que, a propósito, é urgente a revisão do entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 191 da SDI-I do TST.
Com a ratificação pelo Brasil da convenção 94 da OIT não é possível distinguir a responsabilidade trabalhista para fins de contratos de prestação de serviços da responsabilidade decorrente da execução de contratos de obras.
É importante frisar que a convenção ao mesmo tempo em que exige como condição de sua aplicação que o contrato seja firmado pela autoridade central ou um Membro da OIT para o qual esteja em vigor a convenção (Art. 1-d), indica que tal autoridade determinará em que medida e sob que condições a convenção se aplicará aos contratos firmados por outras autoridade que não sejam as centrais (Art. 1-2).
Como inexiste tal norma e o direito do trabalho brasileiro possui estrutura de produção normativa federalizada (Art. 22, I, da Constituição Federal), o conteúdo da convenção aplica-se a todas os entes da administração pública direta e indireta, não só da União Federal, mas também dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
A convenção permite que contratos de pequena monta, conforme definido pela autoridade competente, ouvidas as organizações de empregadores e de trabalhadores interessados, poderão ficar isentos da aplicação de seu conteúdo. Como inexiste tal norma entre nós, a Convenção 94 aplica-se a todos os contratos com o poder público em que haja a utilização de trabalhadores.
O aspecto fundamental da Convenção 94 é que o trabalhador terceirizado no setor público não pode desenvolver o trabalho em condições que sejam menos favoráveis do que as estabelecidas para um trabalho da mesma natureza, na profissão ou indústria interessada da mesma região (Art. 2-1). Com isso, o controle de convencionalidade do Art. 71 da CLT traz ínsita a conclusão de que não é possível fragilizar a proteção ao crédito do trabalhador terceirizado em relação aos empregados da iniciativa privada. Assim, se o ordenamento jurídico permite a imposição de responsabilidade objetiva ao tomador de serviços esta é a medida de proteção a ser aplicada aos terceirizados no setor público.
Relevante notar que a convenção (Art. 3º) impõe a responsabilidade da autoridade competente pela adoção de medidas adequadas para assegurar aos trabalhadores interessados condições de saúde, de segurança e de bem-estar justas e razoáveis. Interpretamos que tal responsabilidade não é apenas legislativa, impondo um dever para os entes públicos na própria execução dos contratos. Daí o efeito imediato é considerar que a tese de responsabilidade objetiva também aplica-se em matéria acidentária, envolvendo os terceirizados do setor público, sendo irrelevante investigar como elemento norteador da condenação se o contratante praticou algum ato ou omissão que tenha colaborado decisivamente para a ocorrência do infortúnio.
Destaco, também, que a convenção impõe o dever de aplicação de sanções adequadas, como a rescisão contratual ou qualquer medida pertinente, em caso de infração à observação e à aplicação das disposições das cláusulas de trabalho inseridas nos contratos públicos (Art. 5-1), o que fixa o dever genérico ao ente público de garantir os direitos dos trabalhadores. Além disso, o tratado impõe que medidas apropriadas sejam adotadas, seja pela retenção das faturas, seja por qualquer outra maneira, a fim de permitir que os trabalhadores interessados recebam os salários a que tem direito (Art. 5-2). Deste modo, é certo que o poder público sempre tem responsabilidade pelo recebimento dos créditos trabalhistas dos terceirizados que lhe prestam serviços, devendo ser adotada todas as medidas necessárias, sejam as preventivas, de retenção das faturas, sejam as mais extremas, de pagamento direto pelo próprio ente contratante. Assim afirmamos porque a convenção 94 neste ponto não dá outra diretriz a ser cumprida pelo poder público que não seja garantir de alguma maneira o recebimento dos salários e vantagens trabalhistas por parte do terceirizado inserido em seus contratos com particulares.
A convenção permite que o Estado brasileiro suspenda a aplicação da convenção, após consulta aos atores sociais, em caso de força maior ou de acontecimento que represente um perigo para o bem-estar ou para a segurança nacionais (Art. 8), o que não é o caso presente. Pelo contrário, o risco social surge da própria insegurança e discriminação imposta aos trabalhadores terceirizados do setor público, pois prestam relevantes serviços à comunidade e sem qualquer garantia de que seus direitos serão satisfeitos.
Pelos fundamentos acima expostos, propõe-se a aplicação de responsabilidade objetiva da Administração Pública em relação aos créditos trabalhistas dos trabalhadores terceirizados, inclusive em relação a matéria acidentária e contratos de obra civil, superando o aparente óbice criado pelo julgamento da ADC 16 pelo Supremo Tribunal Federal e alteração da súmula 331 do TST, bem como o entendimento consubstanciado na OJ 191 da SDI-I do TST.
Blog do juiz do trabalho e professor FABIANO COELHO DE SOUZA, criado para veicular suas atividades acadêmicas e docentes, compartilhar informações e promover debates com seus alunos e com o público interessado. O foco das discussões envolve os seguintes temas: Direito do Trabalho, Emprego, Processo do Trabalho, Justiça, Cidadania, Direitos Fundamentais, Direitos Humanos, Direito Constitucional, Magistratura, Prática Trabalhista e Concursos Públicos.
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Excelente...Control C e Control V, citando a origem, é lógico.
ResponderExcluirAlciane Margarida